Irmã Dulce - A Santa dos Pobres

Irmã Dulce entra para a história do Vaticano como a primeira mulher nascida no Brasil a ser Canonizada


Irmã Dulce (1914-1992), nascida na Bahia, era de postura apartidária e enfrentava qualquer comitiva para cumprir sua missão em nome da bondade e da solidariedade. E não se intimidava: com uma mão batia na porta de políticos e de grandes empresários e com a outra, confortava os necessitados e os desfavorecidos. Muito religiosa, a católica acaba de entrar para a História Oficial do Vaticano, transformando-se na primeira mulher nascida no Brasil a ser canonizada.

Uma Santa 100% Brasileira


A comitiva do presidente Eurico Gaspar Dutra cumpria o roteiro pré-determinado em direção à Igreja do Bonfim, na capital baiana. Visita de praxe ao santuário. Ponto turístico. Fotografias para os jornais. Tudo dentro do previsto. Até uma aglomeração se formar, impedindo a passagem da carreata. Surpresa. Uma freira franzina, acompanhada de 300 crianças, solicitava ser ouvida pelo dirigente da Nação. Com voz suave e olhar compassivo, rogou ao militar que fosse, simbolicamente, seu avô. Fora atendida. Sem demora, recursos federais aportavam nas obras assistenciais de Irmã Dulce. 
A assertividade, traço de personalidade predominante na religiosa nascida em Salvador, destoava de sua aparência miúda, fragilizada pelos problemas respiratórios, que despontaram na juventude e se agravaram com o passar dos anos.
Certa vez, conta o jornalista Jorge Gauthier, no livro-reportagem Irmã Dulce: Os Milagres pela Fé (Editora Autografia), a freira viu uma de suas palmas ser preenchida com o cuspe de um comerciante, que se recusava a contribuir. Sem se abalar, o 'Anjo Bom da Bahia', como ficou conhecida, estendeu a mão limpa, explicando que a grosseria tinha sido a ela endereçada, mas que a outra palma continuava livre para receber a doação aos desvalidos.
'Firmeza de propósito'. 'Vocação inabalável'. 'Força sobre-humana'. Todas as expressões explicam a obstinação da religiosa em auxiliar a humanidade. Mesmo abatida, ela conseguia realizar o impossível. 'A vida é breve. Por que não aproveitamos o tempo e buscamos uma vida de amor a Deus?', a então noviça indagou à irmã Dulcinha numa carta datada de  1993.
No instante em que riscava o papel, Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, filha de um dentista e de uma dona de casa, irmã de quatro, não imaginava que sua devoção e futura obra caridosa - além de dois reconhecidos milagres - seriam responsáveis por cravar seu nome no álbum dos santos católicos. A cerimônia de canonização da religiosa, prevista para acontecer no dia 13 de outubro, no Vaticano, presidida pelo Papa Francisco. E passará a se chamar Santa Dulce dos Pobres, a primeira mulher nascida no Brasil a receber tal honraria.

Predestinada ao Serviço

A vocação religiosa se mostrou aos 12 anos, quando a menina visitou uma favela acompanhada da tia. Não suportou testemunhar a miséria. Tinha de fazer algo. Decidiu, então, alimentar os pobres e cuidar dos enfermos na porta de casa. Por isso, passou a ser chamada carinhosamente de Mariinha.
Estava certa de que vestiria o hábito de freira, mas seu pai quis que se tornasse professora. Concluiu o curso. Bateu o pé. E, no dia 09 de fevereiro de 1933, ingressou na Congregação das irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, localizada no interior de Sergipe. Seis meses depois, tornava-se oficialmente freira e assumia a alcunha Irmã Dulce, em homenagem à mãe, falecida quando a garota tinha 7 anos de idade, após dar à luz sua irmã Regina, que veio a morrer pouco depois. Um ano mais tarde, estava liberada para seguir sua missão humanitária em outras localidades. Por sorte, foi encaminhada para sua terra natal, onde iniciou um duradouro e gigantesco trabalho social.

Legado Humanitário


Quem conviveu com Irmã Dulce diz que ela conjugava três papéis: mãe carinhosa, mas que sabia a hora de ser firme; administradora visionária; e religiosa disciplinada. Rezava dois terços todos os dias - um às 6 da manhã; outro às 3 da tarde -, além de sempre recorrer ao seu santo querido, Antônio, padroeiro dos pobres.
Fincada nesse tripé, ela fundou, em 1936, a União Operária São Francisco, primeiro movimento cristão operário da Bahia. No ano seguinte, a entidade se converteu no Círculo Operário do Estado, centro de cultura, recreação e proteção social das famílias da classe trabalhadora. A manutenção da iniciativa era possível graças à arrecadação de três cinemas construídos com doações: Plataforma, São Caetano e, mais tarde, o Roma. Em 1939, inaugurou ainda o Colégio Santo Antônio, escola pública voltada para operários e seus filhos. Irmã Dulce não sossegava. Saia pelas ruas sacudindo doentes e famintos. Não esperava que eles chegassem até ela. Cada vez mais aflita, sem ter onde abrigar os miseráveis, fez história num ato de ousadia. Em 1949, ocupou o galinheiro ao lado do Convento Santo Antônio, adaptado para acomodar 70 enfermos. Era o começo de um legado vigoroso em prol da saúde das classes desfavorecidas.
Sua intervenção cresceu e, em 1959, recebeu o estatuto de Obras Sociais Irmã Dulce (OSID). No ano seguinte, ela inaugurou o Albergue Santo Antônio, com 150 leitos. Atualmente, a entidade filantrópica abriga um dos maiores complexos de saúde 100% SUS do país, com 21 núcleos e cerca de 3,5 milhões de procedimentos ambulatoriais realizados por ano na Bahia.


(2ª parte - continuação)

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